É sempre assim: ou o telefone, ou a televisão. Eles são velozes ! E foi assim na morte do meu amigo Denis:
-Denis morreu!..
Era a voz do meu irmão Ródio Nogueira, do Jornal de Alagoas e talvez a única pessoa a saber que o meu próximo livro de crônicas políticas seria dedicado para aquele amigo. Não fiquei perplexo: dois dias antes eu o havia visto no hospital, quando as suas últimas energias, estertorantes, se rebelavam contra a morte numa resistência trágica.
Denis pertenceu a uma geração chamada utopia: daqueles que são capazes de segurar uma vela para iluminar o sonho por maior que seja a escuridão; daqueles que sabiam "Os sonhos são flores altas / de umas distantes montanhas / que um dia se alcançarão", como nos diz Cecília Meireles; e, finalmente, daqueles que sabiam, como eu próprio disse, um dia, num poema "Que os sonhos inatingidos não abortam / são gestações que sabem esperar"... e por isso Denis morreu em estado de graça.
Entrará, com alguma certeza, para o panteão de outros utopistas não contemplados na existência terrena senão com a luta permanente e consumidora de tantas vidas. Parece-me, e começo a acreditar, que existe uma estranha conspiração genética colocada na alma dos utopistas, e que os predispõem à luta. Estranha raça essa dos utopistas e sem a qual a humanidade pereceria pelo conformismo.
Denis foi assim: arguto no olhar, risonho e amável nas palavras, mas firme nas decisões. A bem da verdade, ainda conservava um certo ar de colegial satisfeito com a existência atribulada, guardando zelosamente no recôndito da alma as cicatrizes que a vida lhe havia reservado.
Nada lhe terá sido mais propício quanto o fim da tarde: de brisas suaves e eucaliptos balançantes, na hora em que desceu à sepultura fria aquecido pelas palavras quentes e carinhosas do seu amigo Freitas Neto, inconformado com a separação. E nem tão pouco nada lhe terá sido mais gratificante que a imensa legião de amigos e admiradores, pesarosos, que a tudo assistiam com um soluço reprimido na garganta.
A morte, para Denis, não foi uma derrota. É certo, foi uma privação da sua presença entre os seus familiares. Uma trágica privação sabemos todos e lamentamos, como amigos.
Cecília Meireles costumava dizer e escreveu: "Vivemos do que perdura", como conformação para esta trágica viagem ao mundo do desconhecido. Uma coisa é certa, meu caro Denis: de ti perdurarão as melhores lembranças para os teus familiares e para os teus amigos.
Depois a noite foi chegando e com ela ouvi os grilos, incansáveis seresteiros da escuridão. Passos lentos, fui deixando o "campo santo" acompanhado do meu amigo Stéfanes Brito, não encontrando sentido para as palavras. E nos despedimos.
Num último lance ainda olhei o céu: as estrelas pareciam sorrir. E ainda pensei:
- Denis incorporou-se ao universo. Retornou às origens...
Gazeta de Alagoas, 26. 05. 92
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